A paternidade responsável e seus desafios

A sociedade tem sido empurrada na direção de um conjunto de modelos de “famílias novas” que trazem uma roupagem cheia de ideias e adaptações, mas que infelizmente parecem sempre colocar o número de filhos e a felicidade do casal em proporção inversa.





A transmissão da vida é ao mesmo tempo dever e alegria para os esposos [1]. Pela natureza do matrimônio e do amor conjugal, ambos estão ordenados à procriação e à educação dos filhos, que são, sem dúvida, o mais excelente dom do matrimônio e indiscutivelmente contribuem muitíssimo para o bem dos próprios pais e para a saúde relacional da família. No entanto, a sociedade tem sido empurrada na direção de um conjunto de modelos de “famílias novas” que trazem uma roupagem cheia de ideias e adaptações, mas que infelizmente parecem sempre colocar o número de filhos e a felicidade do casal em proporção inversa.


Esses novos modelos de família e a redução do número de filhos refletem mentalidades dominantes na sociedade moderna. São Josemaria Escrivá que afirma que «o verdadeiro amor mútuo transcende a comunidade de marido e mulher e estende-se aos seus frutos naturais, os filhos. O egoísmo, pelo contrário, acaba por rebaixar esse amor à simples satisfação do instinto e destrói a relação que une pais e filhos. Dificilmente haverá quem se sinta bom filho – verdadeiro filho – de seus pais, se puder vir a pensar que veio ao mundo contra a vontade deles, que não nasceu de um amor limpo, mas de uma imprevisão ou de um erro de cálculo.» [2]

Inversão de valores

Tratemos sobre essa mentalidade. É importante questionar esta inversão de valores que leva muitos casais a convencerem-se de que os filhos estragam os prazeres da vida a dois e baixam o padrão de vida familiar. Essa mentalidade fundamenta-se no materialismo contemporâneo que enxerga os filhos apenas como potenciais consumidores, fontes de despesas e artífices do desequilíbrio da saúde financeira da família. E o problema não termina nas cifras, vai além e toca em um dos deuses mais cultuados na modernidade: o tempo! Quantos casais tem verdadeiro pavor do tempo que as crianças exigem para serem cuidadas, educadas e amadas! Tempo esse que poderia ser dedicado a aprimoramentos profissionais, alavancagem de carreira e dedicação a projetos pessoais.


Vale ressaltar que planos pessoais, consolidação de carreira, construção de patrimônio são aspirações lícitas e necessárias dentro de um contexto familiar. Mas tratando-se de mentalidade, é necessário que haja um senso de dever no casal de forma que cumpram com generosidade a sua nobre missão de gerar e educar seus filhos. Sim, a palavra de ordem não é quantidade de filhos, mas sim generosidade de coração!

A sadia tensão

Da mesma forma que deve existir na família a sadia tensão de construir um patrimônio intelectual, profissional e até mesmo material, bens que passam, deve haver um empenho ainda maior construir o patrimônio mais excelente de uma família: a sua descendência! Um bem que poderemos deixar para a eternidade. Por isso, o balizamento que deve nortear as escolhas de um casal na decisão de quando e quantos filhos ter é uma destemida e amorosa generosidade. Sobre isso, afirma o Catecismo: Cabe ao casal verificar que seu desejo (de não ter filhos) não provém do egoísmo, mas está de acordo com a justa generosidade de uma paternidade responsável.[3]


No entanto, sabemos que mesmo com uma atitude de ampla generosidade, muitos casais podem encontrar-se «em situações em que, pelo menos temporariamente, não lhes é possível aumentar o número de filhos» [4]. Esta é uma realidade extremamente comum na vida de um casal e não se constitui um problema em si, pois sabemos que «se existem motivos sérios para distanciar os nascimentos, que derivem ou das condições físicas ou psicológicas dos cônjuges, ou de circunstâncias exteriores, a Igreja ensina que então é lícito ter em conta os ritmos naturais imanentes às funções geradoras, para usar do matrimônio só nos períodos infecundos e, deste modo, regular a natalidade» [5].

Regulação dos nascimentos

Infelizmente, muitos casais ao se depararem com a necessidade da regulação dos nascimentos encontram dificuldades práticas para manter uma vida conjugal ativa e saudável sem ferir a moral sexual. Outros se veem tragados por uma outra mentalidade nociva e extremamente enraizada na cultura moderna: a mentalidade contraceptiva. Ou seja, um conjunto de princípios, orientações, comportamentos e de uma forma de pensar que tende a privar o uso da sexualidade das suas consequências procriativas.


Reflete um comportamento de rejeição tanto da doação total e recíproca dos esposos [6] como da tarefa de transmitir a vida, tendo, portanto, uma estreita relação com a mentalidade abortista. Muitos casais, especialmente as mulheres, acabam por se tornar vítimas deste tipo de mentalidade, seja pela desinformação, seja pela dificuldade de acesso á meios eficazes e acessíveis que sirvam de auxílio ao casal que necessita espaçar os nascimentos.

A mentalidade contraceptiva

A mentalidade contraceptiva sempre foi amplamente combatida pela Igreja. Santo Padre, Papa Paulo VI afirmou que é intrinsecamente má «toda a ação que, ou em previsão do ato conjugal, ou durante a sua realização, ou também durante o desenvolvimento das suas consequências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação» [7]. Sabemos que mediante o recurso à contracepção, exclui-se o significado procriativo do ato conjugal, ocorre intervenção artificial para que de forma temporária ou definitiva o casal não se abra à chegada dos filhos, além da real possibilidade da ocorrência de abortos ocultos no caso do uso rotineiro de contraceptivos orais combinados (a pílula anticoncepcional) pelas mulheres.


Por isso, a Igreja afirma que mesmo que se procure atrasar uma nova concepção, o valor moral do ato conjugal realizado no período infecundo da mulher é diferente do efetuado com o recurso a um meio contraceptivo. «O ato conjugal, ao mesmo tempo que une profundamente os esposos, torna-os aptos para a geração de novas vidas, segundo leis inscritas no próprio ser do homem e da mulher. Salvaguardando estes dois aspectos essenciais, unitivo e procriador, o ato conjugal conserva integralmente o sentido de amor mútuo e verdadeiro e a sua ordenação para a altíssima vocação do homem para a paternidade» [8].

União de corpos

Engana-se quem pensa que o ato conjugal tem como único objetivo a procriação. É próprio da natureza do ato também gerar entre os esposos uma profunda união de corpos, expressão máxima do ser uma só carne do casal. Mas vivê-lo em busca apenas deste objetivo e utilizando barreiras artificiais para que não se cumpra a finalidade da procriação é uma perversão não apenas do ato conjugal, mas do sentido do compromisso matrimonial contraído pelo casal. Muitos tem a compreensão teórica do que é ou não lícito quando o assunto é o ato conjugal, mas se veem desafiados para encontrar meios naturais eficazes para viver de forma prática a regulação dos nascimentos dos filhos.

Há diversos métodos naturais para o acompanhamento do ciclo ovulatório da mulher, dentre os quais destaca-se o Método de Ovulação Billings. Este correlaciona os eventos fisiológicos do ciclo reprodutivo feminino com as observações feitas ao longo do dia na sensação da vulva e inspeção visível do aspecto do muco cervical, identificando com precisão o período ovulatório. É um método que, além de ter custo zero e ser disponível para 100% dos casais, aprofunda a intimidade do casal, apura a consciência do casal sobre a beleza e a responsabilidade na geração de novas vidas, promove conhecimento mútuo e respeito, além de purificar profundamente o amor conjugal. Tal método tem sido ensinado a muitos casais há algumas décadas e ajudando muitas famílias a viverem integralmente os desafios da paternidade responsável.

Portanto, quando a Igreja proclama que não admite qualquer tipo de mentalidade contraceptiva, não deve-se encarar esta afirmação como uma orientação proibitiva e castradora, ao contrário, ao defender a Paternidade Responsável, reconhecendo suas belezas e desafios, a Igreja está formando seus filhos na generosidade, na castidade e na solidez do amor conjugal, que sendo figura da união de Cristo com sua Igreja, jamais poderá abrir mão de sua verdade mais essencial, ou seja, ele foi querido por Deus para expressar seu amor livre, total, fiel e fecundo pela humanidade.


Renato Varges


Referências


[1] Papa Paulo VI, Humanae Vitae, Nº 1


[2] São Josemaria Escrivá, Temas Atuais do Cristianismo.


[3] Catecismo da Igreja Católica, Nº 2368, Edições Loyola.


[4] Constituição Pastoral Gaudium et Spes, Nº 51.


[5] Papa Paulo VI, Humanae Vitae, Nº 16


[6] Papa Paulo VI, Humanae Vitae, Nº 11


[7] Papa Paulo VI, Humanae Vitae, Nº 16


[8] Papa Paulo VI, Humanae Vitae, Nº 12


Por Renato Varges, consagrado da Comunidade de Aliança Shalom.

Fonte : https://comshalom.org/


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