DOGMAS MARIANOS I – A MATERNIDADE DIVINA DE MARIA (Theotókos)



A fé católica reconhece, por meio de seu Magistério infalível, quatro dogmas marianos que integram a Revelação divina e iluminam a missão única da Bem-Aventurada Virgem Maria. Longe de serem verdades periféricas, estes dogmas estão profundamente enraizados na Cristologia, na soteriologia e na vida da Igreja. Temas abordados e defendidos por inúmeros santos ao longo da história do cristianismo que hoje amplificam e aprofundam nossa caminhada na fé de maneira extremamente bela.

O dogma da Maternidade Divina foi solenemente definido pelo Concílio de Éfeso, no ano de 431 d.C., em resposta à heresia nestoriana que separava, de forma perigosa, a natureza divina e humana de Cristo. “Se alguém não confessa que Emmanuel é verdadeiramente Deus e que, por isso, a Santa Virgem é Mãe de Deus (Theotókos), pois gerou segundo a carne o Verbo de Deus feito carne, seja anátema.”[1] Essa definição, ratificada posteriormente no Concílio de Calcedônia (451), afirma que Maria é verdadeiramente Mãe de Deus, pois gerou em seu seio virginal a Pessoa divina do Verbo, encarnada com uma natureza humana perfeita.

Maria é a Theotókos (em grego: Θεοτόκος) como comumente conhecida por nós católicos como Mãe de Deus significa literalmente "Portadora de Deus". Uma verdade fundamental da fé cristã: Jesus Cristo é uma só Pessoa, divina, com duas naturezas – divina e humana. Sendo Maria a mãe de Jesus, e Jesus sendo Deus, ela é corretamente chamada Mãe de Deus. Não no sentido de ser origem da divindade (Deus é eterno), mas no sentido de ser mãe da Pessoa divina do Verbo Encarnado.

A doutrina da Theotókos está diretamente relacionada à unidade da Pessoa de Cristo. A Igreja sustenta que Jesus Cristo é uma única Pessoa (hipóstase) divina, com duas naturezas completas e distintas, humana e divina, unidas sem confusão, sem mudança, sem divisão e sem separação[2]. Ressalta São Tomás de Aquino: "Maria é a Mãe de Deus, porque gerou segundo a carne o Filho de Deus, o qual é Deus.”[3] Já nos séculos II e III, alguns Padres da Igreja – como Orígenes e Santo Hipólito – usavam o termo "Theotókos" para se referir a Maria. O uso se intensificou com Santo Atanásio no século IV, especialmente nas disputas contra o arianismo, para afirmar a verdadeira divindade de Cristo.

Após Éfeso, o culto à Mãe de Deus se espalhou rapidamente. Igrejas foram dedicadas a ela sob este título, e a Liturgia começou a exaltá-la com hinos como o famoso "Sub tuum praesidium", que a chama de Theotókos, e a Liturgia Bizantina a invoca constantemente com esse nome. O Concílio Ecumênico de Éfeso (431), ao proclamar solenemente a Santíssima Virgem como Theotókos (Μήτηρ το Θεο – Mãe de Deus), abriu um novo horizonte no quesito devocional para os cristãos da epóca, o reconhecimento do título de Theotókos serviu como critério ortodoxo de fé contra o nestorianismo, e, consequentemente, marcou o início de uma mariologia mais sistemática e de um culto público mais robusto e difundido.

A proclamação conciliar incentivou os Padres da Igreja a refletirem com maior profundidade sobre o papel da Virgem Maria na salvação. Autores como São Cirilo de Alexandria – que presidiu o concílio –, São Proclo de Constantinopla, São Máximo, o Confessor, e posteriormente São João Damasceno, elaboraram doutrinas que vincularam intimamente Maria à cristologia e à eclesiologia. Ainda que o termo "Theotókos" fosse de origem grega, sua aceitação no Ocidente foi rápida e entusiástica. Padres latinos como Santo Agostinho, São Leão Magno e São Gregório Magno corroboraram o título e promoveram sua expressão devocional no âmbito da liturgia romana. A devoção mariana ganhou solidez no Ocidente a partir do século VI, culminando na popularização de antífonas como o Salve Regina e o Ave Regina Caelorum.

Contudo, quando invocamos Mãe de Deus estamos falado sobre Cristo mais que a Maria, compreendendo que este dogma reafirma nele a natureza divina de Jesus. Joseph Ratzinger, o Papa Bento XVI, escreve sobre a centralidade de Cristo neste dogma: “O dogma da Theotókos não é, em primeiro lugar, uma afirmação sobre Maria, mas sobre Cristo: ele é Deus, e aquele que Maria concebeu e deu à luz é verdadeiramente Deus. Isso está no centro do título ‘Mãe de Deus’.”[4]

Por Eduardo Senan


[1] Denziger, n 252

[2] Concílio de Calcedônia, 451

[3] Santo Tomás de Aquino, S.Th. III, q.35, a.4

[4] Joseph Ratzinger, Introdução ao Cristianismo, cap. III


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