O padre disse aos bispos que ousou escrever-lhes "porque há muito tempo" ele tem visto "com consternação, repetidos sinais de que nossa amada Igreja está correndo um perigo verdadeiramente grave".

Frei Clodovis Boff escreveu uma carta aberta aos bispos do Conselho Episcopal Latino-Americano e do Caribe (CELAM), reunidos recentemente em assembleia, perguntando: “Que boas notícias li lá? Perdoem a franqueza: nenhuma. Vocês, bispos do CELAM, sempre repetem a mesma velha história: questões sociais, questões sociais e questões sociais. E isso já dura mais de cinquenta anos.”
“Queridos irmãos mais velhos, vocês não veem que essa música está ficando velha?”, perguntou o padre que pertence à Ordem dos Servos de Maria (Servites), em reação ao documento final da 40ª Assembleia Geral Ordinária do CELAM, realizada no final de maio na Arquidiocese do Rio de Janeiro, Brasil.
Quando nos darás boas novas sobre Deus, Cristo e seu Espírito? Sobre a graça e a salvação? Sobre a conversão do coração e a meditação na Palavra? Sobre a oração e a adoração, a devoção à Mãe do Senhor e outros temas semelhantes? Em suma, quando nos enviarás uma mensagem verdadeiramente religiosa e espiritual?
Frei Clodovis Boff, juntamente com seu irmão Leonardo Boff, foi um dos mais importantes filósofos da Teologia da Libertação. No entanto, em 2007, publicou o artigo “Teologia da Libertação e Retorno aos Fundamentos” na 68ª edição da Revista Eclesiástica Brasileira.
Ali, ele afirmou que “o erro da teologia da libertação… foi ter colocado os pobres no lugar de Cristo, fazendo deles um fetiche e reduzindo Cristo a um mero papel de apoio; quando Cristo fez o oposto: colocou-se no lugar dos pobres, para torná-los participantes de sua dignidade divina”.
A carta, escrita em 13 de junho — festa de Santo Antônio de Pádua, doutor da Igreja — foi enviada “em primeiro lugar ao presidente geral do CELAM”, cardeal Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre, no Brasil, e “a todos os presidentes do CELAM regional”, disse Boff à ACI Digital, parceira de notícias em português da CNA.
O padre disse aos bispos que ousou escrever-lhes “porque há muito tempo” vê “com consternação, repetidos sinais de que a nossa querida Igreja corre um perigo verdadeiramente grave: o de se alienar da sua essência espiritual, em seu próprio prejuízo e do mundo”.
“Quando a casa está pegando fogo, qualquer um pode gritar”, explicou Frei Boff. Após ler a mensagem do CELAM, algo que ele disse ter sentido há quase 20 anos lhe voltou à mente, quando, “não suportando mais as repetidas equivocações da teologia da libertação, um tal ímpeto surgiu do fundo da minha alma” e ele disse: “Chega! Preciso falar.”
“Foi sob o impacto de um impulso interior semelhante que escrevi esta carta, na esperança de que o Espírito Santo pudesse ter desempenhado algum papel nela”, enfatizou. “Até agora, recebi apenas a reação de Dom Jaime, presidente do CELAM, e também da CNBB”, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, disse o frade à ACI Digital.
Segundo o Padre Boff, Spengler, que foi seu “aluno nos anos 1980 em Petrópolis”, foi “receptivo à carta, apreciando o fato de eu ter expressado meus pensamentos, que poderiam ajudar a rever os caminhos da Igreja nas Américas”.
O Padre Boff escreveu em sua carta que, ao ler o documento da assembleia do CELAM, “me vêm à mente as palavras de Cristo: Os filhos pedem pão e vós lhes dais uma pedra (Mt 7,9)”.
ara o frade, “o próprio mundo laico está farto da secularidade e vai em busca da espiritualidade”, mas os bispos do CELAM “continuam a oferecer-lhes questões sociais e mais questões sociais; e do espiritual [dais-lhes], quase só migalhas”.
“E pensar que vocês são os guardiões do maior tesouro, aquele de que o mundo mais precisa e, no entanto, de certa forma, vocês negam isso a eles”, escreveu o padre.
As almas pedem o sobrenatural, e vocês insistem em lhes dar o natural. Esse paradoxo é evidente até mesmo nas paróquias: enquanto os leigos se deleitam em exibir sinais de sua identidade católica (cruzes, medalhas, véus, blusas com estampas religiosas), padres e freiras vão na direção oposta e aparecem sem nenhum sinal distintivo.
Em sua “ Mensagem à Igreja peregrina na América Latina e no Caribe ”, os bispos do CELAM escreveram que a 40ª Assembleia “foi um espaço de discernimento, oração e fraternidade episcopal”, no qual compartilharam “as luzes e sombras” de suas “realidades, os gritos” de seus “povos e o anseio por uma Igreja que seja casa e escola de comunhão”.
“[Estamos] conscientes dos desafios atuais que nos afetam como região da América Latina e do Caribe: a persistência da pobreza e a crescente desigualdade, a violência impune, a corrupção, o narcotráfico, a migração forçada, o enfraquecimento da democracia, o clamor da terra e a secularização, entre os mais comuns”, declararam os bispos.
Frei Boff respondeu: “O senhor diz, sem hesitar, que ouve os 'gritos' do povo e que está 'consciente dos desafios' de hoje. Mas a sua escuta alcança o fundo? Não permanece na superfície?”
Li sua lista de 'gritos' e 'desafios' de hoje e vejo que não vai além do que os jornalistas e sociólogos mais comuns observam. Os Reverendíssimos não ouvem que, das 'profundezas do mundo', um clamor formidável por Deus se ergue hoje? Um clamor que até mesmo muitos analistas seculares ouvem? E não é para ouvir esse clamor e dar-lhe uma resposta, a resposta verdadeira e plena, que a Igreja e seus ministros existem?
“Governos e ONGs estão aí para os 'gritos sociais'. A Igreja, sem dúvida, não pode se excluir desse serviço. Mas ela não é protagonista nesse campo. Seu campo de ação é outro e mais elevado: responder precisamente ao 'grito por Deus'”, enfatizou.
'Progressistas' ou 'tradicionalistas'
O frade declarou em sua carta que sabia que os bispos “são importunados dia e noite pela opinião pública para se definirem como ‘progressistas’ ou ‘tradicionalistas’, ‘de direita’ ou ‘de esquerda’”.
“Sobre isso, São Paulo é categórico”, escreveu ele, citando: Os homens devem nos considerar simplesmente como servos de Cristo e administradores dos mistérios de Deus (1 Cor 4,1).
“Vale lembrar” que “a Igreja é, antes de tudo, o ‘sacramento da salvação’ e não uma mera instituição social, progressista ou não”, disse o frade.
“Ela existe para proclamar Cristo e sua graça. Esse é o seu foco central, seu maior e duradouro compromisso. Todo o resto vem depois disso”, enfatizou o padre.
“Perdoem-me, queridos amigos, se estou aqui relembrando o que vocês já sabem. Mas por que, então, tudo isso não é mencionado em sua mensagem e nos escritos do CELAM em geral? Da leitura deles, chega-se quase inevitavelmente à conclusão de que a grande preocupação da Igreja hoje, em nosso continente, não é a causa de Cristo e sua salvação, mas sim as causas sociais, como justiça, paz e ecologia, que vocês citam em sua mensagem como mais um refrão.”
O frade também observou que “a própria carta que o Papa Leão enviou ao CELAM, na pessoa de seu presidente, fala claramente da ‘urgente necessidade de lembrar que é o Ressuscitado quem protege e guia a Igreja, reavivando-a na esperança, etc.’”
“O Santo Padre também nos lembra que a missão própria da Igreja é, em suas próprias palavras, 'ir ao encontro de tantos irmãos e irmãs, para anunciar-lhes a mensagem da salvação em Cristo Jesus'”, disse Frei Boff.
No entanto, qual foi a resposta dos veneráveis irmãos ao papa? Na carta que o senhor lhe escreveu, não há eco dessas advertências papais. Ao contrário, o senhor pediu a ele que o ajudasse, não que mantivesse viva a memória do Senhor Ressuscitado na Igreja; não que proclamasse a salvação em Cristo aos seus irmãos, mas que os apoiasse em sua luta para 'incentivar a justiça e a paz' e 'apoiá-los na denúncia de toda forma de injustiça'. Em suma, o que o senhor fez o papa ouvir foi o mesmo refrão de sempre: 'questões sociais, questões sociais...', como se ele, que trabalhou entre nós por décadas, nunca o tivesse ouvido.
Frei Boff estava se referindo ao fato de que o Papa Leão XIV era missionário e bispo no Peru e, portanto, familiarizado tanto com a realidade social da América Latina quanto com os vários tipos de teologia e pastoral praticados no continente.
“Vocês dirão: Mas estas são verdades presumidas, que não precisam ser repetidas o tempo todo. Não, meus queridos; precisamos repeti-las, com fervor renovado, todos os dias abençoados, caso contrário, elas se perderão”, escreveu Frei Boff ao CELAM.
Se não fosse necessário repeti-los, por que o Papa Leão X lembrou vocês deles? Sabemos o que acontece quando um homem toma o amor da esposa como garantido e não se preocupa em nutri-lo. Isso é infinitamente mais importante em relação à fé e ao amor a Cristo.
O frade destacou em sua carta que “o vocabulário da fé”, como Deus, Cristo, evangelização, ressurreição, Reino, missão e esperança, “não falta” na mensagem do CELAM, mas, para ele, são “palavras colocadas ali de forma genérica”, porque “não se vê nelas nada de claro conteúdo espiritual” e “pelo contrário, fazem pensar no refrão habitual ‘questões sociais, questões sociais e mais questões sociais’”.
“Por favor, considerem as duas primeiras palavras, palavras-chave e mais do que elementares da nossa fé: 'Deus' e 'Cristo'. Quanto a 'Deus', vocês nunca o mencionam em si mesmo”, escreveu o frade, mas “apenas se referem a ele nas expressões estereotipadas 'Filho de Deus' e 'Povo de Deus'. Irmãos, vocês não deveriam estar surpresos?
O nome de Cristo “aparece apenas duas vezes, e ambas as vezes apenas de passagem”, observou Boff.
O frade disse que os bispos “declaram”, e “com razão, que querem uma Igreja que seja uma 'casa e escola de comunhão' e, além disso, 'misericordiosa, sinodal e extrovertida'”, e que “uma Igreja que não tem Cristo como sua razão de ser e falar é, nas palavras do Papa Francisco, nada mais do que uma 'ONG piedosa'”.
“Mas não é para lá que a nossa Igreja está caminhando? Um mal menor é quando, em vez de recorrer aos não religiosos, os católicos se tornam evangélicos. Em todos os casos, a nossa Igreja está em hemorragia. O que mais vemos por aqui são igrejas vazias, seminários vazios, conventos vazios”, observou o frade.
“Nas nossas Américas, sete ou oito países já não têm maioria católica. O próprio Brasil caminha para se tornar 'o maior país ex-católico do mundo', nas palavras de um conhecido escritor brasileiro”, disse o frade, referindo-se ao dramaturgo, escritor e jornalista Nelson Rodrigues. “No entanto, esse declínio contínuo não parece preocupar tanto os veneráveis irmãos.”
O padre chegou a dizer que a mensagem do CELAM afirma que o [coração da] Igreja na América Latina “continua a bater forte” e que existem “sementes de ressurreição e esperança”, e perguntou: “Mas onde estão essas ‘sementes’, caros bispos? Elas não parecem estar na esfera social, como vocês podem imaginar, mas na esfera religiosa. Elas estão especialmente nas paróquias renovadas, bem como nos novos movimentos e comunidades.”
“Todas essas expressões de espiritualidade e evangelização” são “o aspecto eclesial que mais preenche nossas igrejas (e os corações dos fiéis)”, escreveu ele. “É ali, nesse viveiro espiritual, que reside o futuro da nossa Igreja. Um sinal eloquente desse futuro é que, enquanto na esfera social, atualmente, vemos quase apenas 'pessoas de cabelos brancos', na esfera espiritual, vemos a corrida em massa rumo ao espiritual por parte dos jovens de hoje.”
“Sem o fermento de uma fé viva, a própria luta social acaba se pervertendo: de libertadora, torna-se ideológica e, em última análise, opressiva”, enfatizou Boff. “Esta é a advertência lúcida e grave que São Paulo VI emitiu (em Evangelii Nuntiandi 35.2) a respeito da então nascente 'teologia da libertação' (uma advertência da qual essa teologia, ao que parece, não tirou nenhum benefício).”
Para onde o CELAM quer 'levar nossa Igreja'?
“Caros irmãos mais velhos, permitam-me perguntar-lhes: Para onde querem levar a nossa Igreja?”, perguntou Frei Boff. Os bispos “falam muito sobre o 'Reino', mas qual é o conteúdo concreto do seu 'Reino'?”, perguntou o frade em sua carta aberta.
“Já que vocês falam tanto em construir uma 'sociedade justa e fraterna' (outro de seus refrões), poder-se-ia pensar que essa sociedade seja o conteúdo central do 'Reino' evocado. Não ignoro a parcela de verdade nisso. No entanto, os reverendíssimos bispos nada dizem sobre o conteúdo principal do 'Reino', isto é, o Reino presente, tanto nos corações hoje quanto em sua consumação amanhã”, observou.
Em seu discurso, não há escatologia aparente. É verdade: você fala duas vezes de 'esperança', mas de forma tão indefinida que, dada a inclinação social de sua mensagem, ninguém, ao ouvir tal palavra de sua boca, levanta os olhos para o céu.
“Por que essa reticência em falar alto e claro, como tantos bispos do passado fizeram, do 'Reino dos Céus' (e também do 'Inferno'), da 'ressurreição dos mortos', da 'vida eterna' e de outras verdades escatológicas, que oferecem tão grande luz e força para as lutas do presente, bem como o significado último de tudo?”
“Não é que o ideal terreno de uma ‘sociedade justa e fraterna’ não seja belo e grande”, observou o frade, “mas nada se compara à Cidade Celeste (Fl 3,20; Hb 11,10.16), da qual nós somos felizmente, pela nossa fé, cidadãos e trabalhadores, e vós, pelo vosso ministério episcopal, os seus grandes engenheiros”.
“É, portanto, tempo, e mais do que tempo, de tirar Cristo das sombras e trazê-lo à plena luz. É tempo de lhe restituir a primazia absoluta, tanto na Igreja ad intra (na consciência individual, na espiritualidade e na teologia), como na Igreja ad extra (na evangelização, na ética e na política)”, escreveu Boff. “A Igreja em nosso continente precisa urgentemente retornar ao seu verdadeiro centro, retornar ao seu 'primeiro amor'.”
“Com isso, meus queridos amigos, eu estaria pedindo algo novo a vocês?”, perguntou Frei Boff. “De jeito nenhum. Estou apenas lembrando a vocês a exigência mais evidente da fé, da fé ‘antiga e sempre nova’: a opção absoluta por Cristo Senhor, o amor incondicional por Ele, exigido particularmente de vocês, como Ele exigiu de Pedro (Jo 21,15-17).”
Para o frade, é urgente que os bispos “adotem e pratiquem clara e decididamente um cristocentrismo forte e sistemático; um cristocentrismo verdadeiramente ‘avassalador’, como o expressou São João Paulo II”, e “vivam um cristocentrismo aberto que atue como fermento e transforme tudo: as pessoas, a Igreja e a sociedade”.
Fonte: https://www.ncregister.com/
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