Suprema Corte do México descriminaliza o aborto em nível federal, uma decisão histórica no país católico

Votação unânime da mais alta Corte do país obriga as instituições de saúde pública a prestar o serviço e impede que equipes médicas sejam penalizadas


A Suprema Corte do México descriminalizou nesta quarta-feira o aborto em nível federal, numa decisão histórica em um país predominantemente católico. A votação unânime do mais alto tribunal obriga as instituições federais de saúde pública a oferecer o serviço gratuitamente. Além disso, em nenhum caso as equipes médicas poderão ser penalizadas judicialmente por prestar o serviço.


O tribunal anunciou nas redes sociais "que o sistema jurídico que penaliza o aborto no Código Penal Federal é inconstitucional, uma vez que viola os direitos humanos das mulheres e das pessoas com capacidade de gestar".


A decisão é mais um passo rumo à liberdade de interrupção da gravidez no país após precedente histórico aberto em 2021. Há apenas dois anos, o Supremo Tribunal mexicano apoiou a luta feminista, decidindo que nenhuma mulher fosse presa por ter feito um aborto e que o estado de Coahuila — onde a ação de inconstitucionalidade foi movida — alterasse seu código legal.





Aquele deveria ser o primeiro passo para que as demais entidades mexicanas retirassem de sua legislação as penas por interrupção da gravidez. No entanto, o progresso tem sido muito desigual desde então, e apenas 11 dos 32 estados alteraram suas leis. O governo da capital, Cidade do México, foi a primeira jurisdição latino-americana a autorizá-lo em 2007. A maioria permite até 12 semanas.


Agora, graças a uma ação da organização feminista Gire (Grupo de Informação em Reprodução Elegível, em tradução do espanhol), o tribunal decidiu pela descriminalização em nível federal. "Todas as mulheres e pessoas com capacidade de gestação poderão ter acesso ao aborto nas instituições federais de saúde", comemorou o grupo em comunicado.






— Este é o maior progresso que fizemos nesta luta — disse ao El País Isabel Fulda, vice-diretora do Gire.





A decisão representa vários avanços: não só o aborto não pode ser criminalizado, como as instituições federais de saúde devem prestar o serviço — uma das principais batalhas das organizações de direitos das mulheres.


Além disso, implica modificar o Código Penal Federal para eliminar o crime de aborto, que está previsto no artigo 329 como "a morte do produto da concepção em qualquer momento da gravidez" e que contempla pena de um a três anos para quem "faz uma mulher abortar", mesmo que com o consentimento dela. Também inclui penas de dois a cinco anos para os médicos.


A organização feminista, explica a vice-diretora, já apresentou outras 21 ações para os estados que ainda não modificaram seu Código Penal. Fulda explica que a decisão pode causar um efeito dominó para que os Congressos locais avancem e retirem a criminalização do aborto da legislação.


— Hoje foi um avanço enorme e histórico, mas ainda é limitado — diz Fulda. — A esperança é de que o aborto saia completamente dos códigos penais e seja regulamentado como um serviço de saúde.


Além do México, países como Colômbia, Argentina, Uruguai e Guiana tomaram medidas para legalizar ou descriminalizar o aborto. A tendência regional nas Américas contrasta com a dos Estados Unidos, onde a histórica anulação do caso Roe contra Wade pela Suprema Corte americana, em 2022, pôs o país em um pequeno grupo de nações que tornaram o acesso ao aborto mais difícil.


A decisão também reflete mudanças profundas na sociedade mexicana e em algumas das suas instituições. Grande parte do México ainda é conservador, mas décadas de ativismo feminista remodelaram a forma como muitas pessoas no país pensam sobre os direitos das mulheres. Além disso, o Supremo Tribunal mexicano perdeu alguns juízes conservadores, e seu atual presidente, Arturo Zaldívar Lelo de Larrea, criado por pais católicos praticantes, emergiu como um defensor inesperado do direito ao aborto no país. (Com AFP, New York Times e El País.)

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