Entendendo o Dízimo

Não se deve esperar pelas leis para fazer o bem. Existem, de fato, a lei natural e a lei eclesiástica; mas a lei da caridade deve brotar disto que está no Evangelho: Jesus, rico que era, fez-se pobre para enriquecer a todos




O sacrifício que relembramos em todas as missas ao nos depararmos com o corpo e o sangue de Cristo no altar é o sacrifício perfeito que move e alimenta a nossa fé, mas nós, como membros dessa Igreja, também somos convidados a oblações, não porque Deus precisa dos nossos pequenos e míseros atos de devoção, mas através dos sacrifícios, conseguimos enxergar além da carne que nos cega a entender a profundidade da alma, a profundidade do ser. Ao nos despirmos, retiramos o que nos afasta do intrínseco ontológico, retiramos o supérfluo que pesa, retiramos o nada que é colocado como tudo em nossa vida mesquinha, e assim podemos entender que a capacidade de amar é antes de tudo a capacidade de se dar.

Ainda nas religiões pagãs, e mais especificamente na crença greco-romana, os deuses exigiam sacrifícios para proveito próprio: Dioniso, por exemplo, exigia a vanglória máxima em seus rituais; as bacantes, mulheres que praticavam seus cultos, eram capazes de atitudes extremas e animalescas visando o bem maior daquela divindade. Todavia, o Deus que Paulo pregara no Aerópago, em Atenas, trabalha por aqueles que Nele esperam, é um Deus que oferece a genuinidade do amor.

Um sentimento que só podemos ter se conhecermos, e por isso é tão importante e necessário entender os aspectos e os assuntos que cercam a Igreja, afinal, Só é possível aderir a algo se o conhecermos, entendermos a sua criação, sabermos seu significado e  conhecermos seus objetivos. Entender as origens é importante para entender a sua profundidade e razão de ser, e sobre o objeto central deste artigo: o dízimo não foi inventado pela Igreja, haja vista que este pagamento é uma resposta do homem à bondade e à misericórdia de Deus. Separar uma parte do que se recebe e levar para a obra do Senhor é costume que remonta aos primórdios da Igreja: “Desde o início, os cristãos levam, com o pão e o vinho para a Eucaristia, seus dons para repartir com os que estão em necessidade. Este costume da coleta, sempre atual, inspira-se no exemplo de Cristo que se fez pobre para nos enriquecer” (CIC, 1351)

No Antigo Testamento verifica-se a prática do Dizimo, quando as pessoas reconheciam a ajuda de Deus em tudo que produziam e ofertavam a décima parte das colheitas ou dos animais nascidos aos sacerdotes nos templos. Podemos citar entre tantas outras passagens: “Abraão deu ao Senhor a décima parte de tudo” (Gen. 14,20). Jacó disse: “Eu te darei a décima parte de tudo o que me deres” (Gen. 28,22). Em Malaquias (3, 8-10) Deus reclama do povo o cumprimento do dízimo, em sinal de confiança nas graças que só Ele pode proporcionar. 

Acerca, no entanto, da Igreja que conhecemos , cabe a pergunta sobre a obrigação do pagamento do dízimo, ou seja, 10% do salário. Essa pergunta se faz necessária porque é cada vez mais frequente ouvir, dentro da Igreja, um eco da pregação protestante, segundo a qual a determinação do Antigo Testamento de pôr à parte "o dízimo de todo fruto de tuas semeaduras, de tudo o que teu campo produzir cada ano", deveria ser seguida de forma literal. Mas para responder adequadamente a esta questão, é importante distinguir três leis: a lei natural, a lei da Igreja e a lei da caridade.

Com relação à primeira, Santo Tomás de Aquino diz que existe um fundamento natural para que o povo sustente os seus ministros. Diz ele: "Que o povo deve sustentar os ministros do culto é determinação da razão natural, como também recebem do povo salário para seu sustento aqueles que servem o bem comum: os governantes, os militares, e outros". E ainda: "O preceito do pagamento dos dízimos, quanto ao seu aspecto moral, foi dado pelo Senhor e está no Evangelho de Mateus".

No entanto, na história da Igreja, esse direito já foi contestado. Os movimentos protestantes anteriores à Reforma, por exemplo, contestavam o dízimo como direito natural. Não à toa a Igreja exigia dos valdenses, a quem ela acolheu no século XIII, após muito tempo de divisão, que confessassem o seguinte: "Cremos que se deve doar aos clérigos sob as ordens do Senhor o dízimo, as primícias e as oblações". Mas, nesse campo, não existe apenas a lei natural, como também a lei da Igreja. Santo Tomás diz que oferecer a Deus a décima parte dos próprios rendimentos não está na natureza das coisas, mas é um preceito judicial, uma determinação que pode ser mudada de acordo com as circunstâncias. No Antigo Testamento, a tribo de Levi precisava ser sustentada pelas demais tribos de Israel; era razoável, portanto, que elas tivessem que lhe pagar 10% de seus rendimentos. Mas, assim como as leis chamadas cerimoniais – como oferecer bodes e carneiros no templo de Jerusalém –, essas leis judiciais não são mais vinculantes.

Agora, o que devem ser seguidas são as determinações das Igrejas locais. O Catecismo, ao explicar os mandamentos da Igreja, diz: "O quinto preceito ('prover às necessidades da Igreja, segundo os legítimos usos e costumes e as determinações') aponta ainda aos fiéis a obrigação de prover às necessidades materiais da Igreja consoante as possibilidades de cada um". Trata-se de um resumo do que estipula o Código de Direito Canônico, ao estabelecer que "os fiéis têm a obrigação de prover às necessidades da Igreja, de forma que ela possa dispor do necessário para o culto divino, para as obras de apostolado e de caridade, e para a honesta sustentação dos seus ministros".

O mesmo Código estabelece, noutro lugar: "Os fiéis concorram para as necessidades da Igreja mediante subvenções que lhe forem solicitadas e segundo normas estipuladas pela Conferência episcopal". Atendendo a isto, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em legislação complementar aprovada pela Santa Sé, determinou:

"Cabe à Província Eclesiástica dar normas pelas quais se determine a obrigação de os fiéis socorrerem às necessidades da Igreja”, conforme o cân. 222. Então, é preciso consultar as Províncias Eclesiásticas para descobrir as normas que regulam a obrigação de socorrer às necessidades da Igreja. O caminho preferencial escolhido no Brasil é fazer que as pessoas tomem consciência de sua responsabilidade, mais do que simplesmente dar taxas e espórtulas à Igreja. No que diz respeito à obrigação dos 10%, Santo Tomás não parece ser muito favorável a uma imposição estrita, afinal, esse valor se figura um pouco excessivo para a sustentação do clero. Além do mais, “os ministros da Igreja devem dedicar-se mais em promover o bem espiritual do povo do que em receber os bens temporais". 

Quanto à lei da caridade, é importante notar que a Antiga Lei não tinha estabelecido o dízimo apenas para o sustento dos ministros, mas também para socorrer os pobres e necessitados. Para isso, não existem limites. Santo Tomás, com grande inteligência e fidelidade ao Evangelho, diz:

"A terceira espécie de dízimos, destinada a alimentar os pobres, foi aumentada na Lei nova, porque não somente a décima parte seria dada aos pobres, mas também o que sobrava, em cumprimento do preceito evangélico: 'O que sobrar, dai como esmola'. Quanto aos dízimos entregues aos ministros da Igreja, eles mesmos os dispensarão aos pobres."

Não se deve esperar pelas leis para fazer o bem. Existem, de fato, a lei natural e a lei eclesiástica; mas a lei da caridade deve brotar disto que está no Evangelho: Jesus, rico que era, fez-se pobre para enriquecer a todos. E, do mesmo modo, devemos seguir essa " imitatio Christi – imitação de Cristo", e levar os ensinamentos de Deus também àquele que é tão pobre que a única coisa que tem é o dinheiro.


A IMPORTÂNCIA DO DÍZIMO

No mês de novembro a Igreja no Brasil estimula os seus féis a uma especial reflexão sobre o dízimo. A palavra dízimo quer dizer a décima parte de alguma coisa, ou dez por cento. Na Bíblia o dízimo é a décima parte dos bens que cada família produzia e que era ofertada a Deus em sinal de gratidão. Cada família entregava aos sacerdotes dez por cento dos produtos da terra para a manutenção do templo e dos serviços religiosos (cf. Ne 10,38-39; Tb 1,8; Ml 3,10).

Há umas questões básicas que pressupõe o dízimo: fé, gratidão, generosidade, senso de corresponsabilidade, consciência da dimensão econômica da evangelização… Por isso a CNBB assim define o dízimo: “O dízimo é uma contribuição sistemática e periódica dos fiéis, por meio da qual cada comunidade assume, corresponsavelmente, sua sustentação e a da Igreja. Ele pressupõe pessoas evangelizadas e comprometidas com a evangelização” (CNBB, Doc. 106, N.6)

Uma resposta de gratidão e sinal de corresponsabilidade

Sim, o dízimo para a Igreja é um gesto de gratidão a Deus por tantos benefícios recebidos. A devolução do dízimo nasce do coração sensível.  O dízimo é um ato de amor a Deus e aos irmãos. É uma resposta de fé e de corresponsabilidade pela evangelização, pois a esta tem uma dimensão econômica.

Muitos se questionam sobre a quantia dos 10%. Quanto a isso é importante se perguntar sobre medida da própria gratidão. A gratidão não tem medida! Cada um é chamado, antes de tudo, a avaliar-se! Deus não gosta de nada forçado e nem de medidas mesquinhas!

Biblicamente eram dez por cento o que os fiéis judeus davam para a manutenção das despesas do templo e manutenção dos sacerdotes. Mas o Dízimo é uma questão de generosidade: “dê cada um conforme o impulso do seu coração, sem tristeza nem constrangimento. Deus ama quem dá com alegria”. Não se trata de uma questão matemática, mas moral, espiritual! É desse modo que Paulo reflete com a comunidade de Corinto (cf. 2Cor 9,7). O importante é que o dizimista se sinta livre e corresponsável dando fielmente a sua contribuição mensal. “Quem é generoso progride na vida” (Prv. 11,25).

Quem deve ser dizimista?

Todas as pessoas que participam da vida da Igreja e tem uma fonte de renda são convidadas a serem dizimistas. Ninguém, nessa condição, está dispensado de manifestar sua gratidão a Deus para a promoção da fé.

A obrigação do dízimo vem da generosidade do próprio coração. Se o fiel católico se sente parte integrante da Igreja, então não está dispensado de contribuir para que ela seja sempre viva, forte, atuante e tenha todos os meios necessários para que a Palavra de Deus chegue aos mais afastados. O dízimo e manifestação da consciência da partilha!

Onde é aplicado esse recurso do dízimo?

Os recursos financeiros provenientes das paróquias não pertence ao pároco e nem mesmo em nenhuma forma de percentual. Isso não existe para a Igreja Católica. O pároco não tem um percentual sobre o dízimo arrecadado. Isso é importante saber! Então reflitamos para onde vai o seu dízimo.

O dizimo deve ser entregue mensalmente porque as despesas ordinárias da manutenção da Igreja são pagas todos os meses. O recurso do dízimo é aplicado nas seguintes despesas: no pagamento de funcionários, encargos sociais, assinaturas de subsídios e revistas, energia elétrica, água, telefone, internet, material de limpeza, manutenção das estruturas físicas e técnicas, despesas pastorais (eventos), formação, manutenção dos sacerdotes, material litúrgico (toalhas, velas, flores, papel, vinho, hóstias…), transportes, partilha com a (Arqui)diocese, ações missionárias, Caridade, etc. Visto que todos os meses temos contas a pagar, então todo mês cada fiel é chamado a colaborar para que tudo seja pago. A Igreja é nossa!

A partir dessas diversas despesas podemos perceber que o dízimo tem muitas dimensões: administrativa, religiosa, eclesial, ética, missionária, caritativa. Lamentavelmente muitas paróquias, por causa da frágil corresponsabilidade dos fieis, tem muita dificuldade para avançar na evangelização por falta de recursos. Isso é muito grave!

A necessidade da transparência e fidelidade

No início de cada mês a liderança da pastoral do dízimo, em nome do Pároco, deve prestar contas à comunidade dos valores recebidos e onde foram aplicados. Onde não há transparência há dúvidas administrativas. A prestação de contas é um direito dos fieis e uma forma de fidelização. É muito bom quando sabemos e vemos onde está sendo empregado o dízimo devolvido com espírito de fé.

A coordenação da pastoral do dízimo, juntamente com o COPAE e o CPP devem continuamente serem informados sobre a situação econômica da paróquia, pois dela dependem os novos investimentos pastorais.

O dízimo, devolvido com amor, faz-nos mais generosos e isso agrada a Deus. Faz-nos mais desapegados dos bens terrenos; faz-nos menos egoístas. Isso é sinal de amor. Nesse sentido, o dízimo quando manifesta a bondade do coração do fiel, contribui diretamente para nossa salvação.

Lembremo-nos do que Jesus cristo declarou: “Quem der ainda que seja apenas um copo de água fria a um desses pequeninos, por ser meu discípulo, eu garanto a vocês: não perderá a sua recompensa» (Mt 10,42). O dizimista, portanto, é um fiel que assume um compromisso de vida cristã baseado na generosidade.

O dízimo e bênçãos de Deus

Na Bíblia Sagrada encontramos referências sobre a relação entre dízimo e bênçãos. Deus usa de muitas formas para derramar sobre nós suas bênçãos e a seu tempo vai recompensar todos aqueles que fizeram o bem e foram generosos neste mundo.

Por meio do profeta Malaquias, Deus diz: “Tragam o dízimo. Façam essa experiência comigo. Vocês vão ver se não abro as portas do céu, se não derramo sobre vocês as minhas bênçãos de fartura” (Ml 3,10). “A ti, Senhor, pertence o amor, porque tu pagas a cada um conforme as suas obras» (Sl 62,13; Prov. 24,12). “O Senhor retribui a oferta e Ele, em troca, lhe dará sete vezes mais” (Eclo 35,7-10).

Com o dízimo dos fieis a Igreja se fortalece e as possibilidades de fazer o bem e divulgar a Palavra de Deus aumentam. Por isso a sua participação é muito importante! Manifeste que você é uma pedra viva da Igreja e por ela se sente corresponsável.

Certo, é que a Igreja é obra de Deus, e o seu Senhor vai retribuir a todos aqueles que foram generosos para com ela: “Eis que venho em breve, e comigo trago o salário para retribuir a cada um conforme o seu trabalho” (Ap 22,12).


Fonte : ALETEIA / CNBB

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