Neste mês de setembro, mês da Bíblia, oferecemos a você caro(a) leitor(a) um texto do evangelho dominical. Meditemos então alguns pontos :
Estamos no encontro noturno entre Jesus e Nicodemos (Jo 3,1–21). Nicodemos é um judeu notável, um fariseu, membro do Sinédrio, homem sério e sincero que vai encontrar-se com Jesus à noite. Ali, suas trevas têm encontro com a Luz. Jesus fala do novo nascimento, da fé e do desígnio do Pai. É dentro desse diálogo que aparecem os versículos da festa de hoje (Jo 3,13–17). Eles são uma janela para o coração de Deus: revelam o imenso amor do Pai, quem é o Filho Único, por que é necessário que Ele seja “levantado” e o que Deus quer de nós.
- Aquele que subiu é o que desceu
“Ninguém subiu ao céu a não ser aquele que desceu do céu: o Filho do Homem” (v. 13). Não se trata de uma escalada humana, mas de uma iniciativa divina. O Enviado do Pai desceu até nós para levar-nos ao Pai. Há, aqui, o movimento que atravessa todo o Evangelho: kénosis e exaltação. Jesus se abaixa (obediência até a morte e morte de cruz) e, por isso, o Pai o sobre-exalta (cf. Fl 2,6-11). Diante disso, a fé deixa de ser esforço de “subir sozinho” e se torna adesão humilde a quem já desceu para nos buscar.
- O Filho do Homem levantado
“Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado” (v.14). O “levantar” aponta à cruz e à glória. Por paradoxal que seja, na cruz, Jesus é exaltado: o patíbulo torna-se trono. E o fazer o sinal da cruz, tornar-se-á um gesto de ousadia, uma profissão de fé corajosa, como desde cedo a Igreja o atesta. Contemplar o Crucificado é ver o amor que sobe, erguido, para atrair todos a si (cf. Jo 12,32).
- Olhar para a serpente e olhar para Cristo
Em Números 21,4-9, no deserto, os israelitas mordidos pelas serpentes venenosas eram curados quando olhavam para a serpente de bronze erguida por Moisés numa haste. Deus mandou elevar o próprio sinal do pecado — e, ao olhá-lo, o povo reconhecia a culpa e recebia a cura. Na cruz acontece o cumprimento daquela profecia: vemos, ao mesmo tempo, a consequência do pecado (a morte) e a cura que Deus nos oferece. Olhar rendido para Jesus é confessar: “eu não posso me salvar”. É apresentar a ferida a quem a pode curar e salvar. Isto nos lembra Santa Teresa: “eu só peço que olheis para Ele” (Caminho de Perfeição 26,3). A oração começa quando percebemos que Ele já nos olha.
- Fé e vida eterna
Duas vezes o texto de hoje repete: “para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna.” (cf. Jo 3,15-16). Ao longo dos Evangelhos, Jesus diz: “seja feito conforme a tua fé” (Mt 8,13.9,29.15,28); “a tua fé te salvou” (Mc 5,34; Lc 7,50). A fé é condição para cura e salvação; ela nos une ao Salvador. E Deus se deixa tocar por qualquer ato sincero de fé. A vida eterna não é só no futuro distante; começa agora, cada vez que confio n’Ele.
- Deus amou tanto o mundo…
Chegamos ao Coração do Evangelho: “Deus amou tanto o mundo que deu o seu Filho Unigênito…” (v. 16a). Não um filho adotivo, mas o Unigênito. Medimos a gravidade do pecado pela excelência da oferta: o sangue precioso do Filho Único derramado por nós. Deus quis salvar-nos assim, deixando um sinal visível para todas as gerações — o Crucificado — para recordarmos, simultaneamente, o nosso pecado assumido e o amor que o carregou. Daqui deve brotar gratidão: “Ele sofreu por mim”.
- Jesus não veio para condenar o mundo
Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar, mas para salvar (cf. v. 17). Na primeira vinda, Ele abre os braços, não aponta o dedo. A rejeição da luz é que autoexclui a pessoa. As trevas não se misturam com a luz. A condenação acontece quando eu recuso a misericórdia. Hoje é o tempo favorável para acolher o Enviado do Pai. Se, neste tempo nos inclinarmo-nos para Deus, na hora derradeira, também iremos nos inclinar para o bem eterno. O nome dessa salvação é Jesus (Yeshua: Deus salva).
Dicas de oração que brotam desses pontos:
- Faça o sinal da cruz devagar, como profissão de fé e pertencimento a Cristo. “Pelo sinal da Santa Cruz, livrai-nos, Deus, Nosso Senhor, dos nossos inimigos. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém.”
- Tendo em vista Jesus crucificado, una em sua memória os versículos dos Salmos: “o meu pecado está sempre diante de mim” (Sl 51(50),5) e “tenho sempre o Senhor ante meus olhos” (Sl 16 (15),8). O mesmo olhar que reconhece a culpa enxerga o Senhor que a assumiu.
- Lembre-se que tudo é graça. Não caia na tentação pelagiana de querer salvar-se por suas próprias forças; A cruz desmonta a ilusão da autossuficiência.
Sugestões de Passos para sua Lectio Divina
Texto: Jo 3,13–17 (se puder, leia todo o diálogo: Jo 3,1–21).
- Lectio (Leitura)
Leia devagar. Marque no texto as palavras: desceu, subiu, levantado, crê, vida eterna, amou, não para condenar, para salvar.
Dica: leia o v. 16 substituindo “o mundo” pelo “seu nome”. - Meditatio (Meditação)
Pergunte-se:- Onde estou tentando “subir sozinho” em vez de deixar-me conduzir por quem desceu até a mim?
- Qual “mordida da serpente” (pecado/ferida) eu preciso apresentar ao olhar de Cristo hoje?
- O que, no meu cotidiano, mostra que creio (ou que ainda resisto) ao Senhor?
- Oratio (Oração)
Fale com Jesus:- “Senhor, eu creio, ajuda a minha pouca fé.”
- “Obrigado, Pai, porque me amaste tanto...”
- “Toma Senhor (nomeie uma situação/ferida) e cura-me pelo Teu amor.”
- Contemplatio (Contemplação)
Silêncio. Olhe para Ele — lembre-se: Ele já nos olha antes. Permaneça alguns minutos sem pedir nada, deixando que a certeza “Deus me amou” desça ao coração. - Actio (Ação)
Escolha um gesto concreto de quem crê no Crucificado: reconciliar-se, perdoar, consolar alguém, servir em silêncio, fazer o sinal da cruz com consciência antes de uma tarefa difícil.
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